Belmonte: Câmara compra terreno a José Manuel Canhoto por 210 mil euros a área vendida era 34 mil m² superior à real

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Município terá pago por milhares de metros quadrados que não existiam. A descoberta obrigou à revisão do projeto do parque empresarial, custando mais 74 mil euros aos cofres públicos. Autarquia não comentou.

A Câmara Municipal de Belmonte comprou em 2020, por 210 mil euros, um terreno a José Manuel Fortunato Canhoto, que o havia adquirido anteriormente, em 2003, por apenas 51.260 euros. A transação destinava-se à criação da Área de Acolhimento e Dinamização Empresarial de Belmonte, um dos projetos estruturantes do concelho. O negócio envolveu dois imóveis — um prédio urbano e um prédio rústico — sendo que este último foi apresentado com uma área de 110.800 metros quadrados. No entanto, medições técnicas posteriores revelaram que o terreno rústico possui apenas cerca de 76.000 metros quadrados.

A diferença de 34.800 m² representa uma discrepância de mais de 30% face à área contratada. Ao valor de 185 mil euros pagos pela componente rústica, acrescem 25 mil euros pela parcela urbana de 56 m². A venda foi feita diretamente por José Manuel Fortunato Canhoto à autarquia, e não através da sua empresa. Ainda assim, trata-se de um empresário conhecido localmente pelas ligações ao setor da construção, com histórico de adjudicações com a Câmara.

A operação passou despercebida até que os serviços técnicos municipais, ao avançarem com a implementação do parque empresarial, se depararam com a inadequação entre a área prevista no projeto e a área efetiva do terreno. Esta descoberta obrigou à reformulação total do projeto de loteamento, que teve de ser adaptado à nova realidade física. Para tal, a autarquia adjudicou, por ajuste direto, um novo contrato no valor de 74 mil euros à empresa PopularEquation – Lda., com data de publicação a 10 de setembro de 2024 no portal BASE.gov.pt. O objeto do contrato refere a “elaboração de revisão de projeto de execução do loteamento da Área de Acolhimento Empresarial de Maçainhas / Belmonte”.

A revisão implicou custos adicionais substanciais para o erário público, não apenas no valor do novo contrato, mas também pelo potencial sobrepagamento inicial baseado numa área que nunca existiu. A venda por parte de José Manuel Fortunato Canhoto teve como base uma valorização de mais de 400% em relação ao valor pelo qual havia adquirido o terreno, o que representa uma mais-valia significativa para o vendedor num intervalo de tempo alargado.

Apesar da gravidade da situação, não houve até à data qualquer declaração pública da autarquia reconhecendo o erro ou explicando os motivos da falha de verificação prévia. Na sessão da Assembleia Municipal de 19 de dezembro de 2024, o presidente da Câmara, António Dias Rocha, afirmou apenas que “o parque empresarial está completamente pago”, sem referência à discrepância de área nem aos custos acrescidos com a revisão do projeto.

A ausência de explicações públicas e a falta de mecanismos de controlo interno eficazes levantam sérias dúvidas sobre a fiscalização e validação técnica dos negócios jurídicos celebrados pelo Município, sobretudo quando envolvem valores elevados e impacto territorial significativo. A área de acolhimento empresarial representa um dos principais investimentos estruturantes da última década em Belmonte e integra outros contratos relevantes, como o celebrado com a empresa NOW XXI – Engenharia & Construções, Lda., no valor de 1.990.755,50 euros, publicado em maio de 2023.

Este caso poderá vir a ser objeto de auditoria pelo Tribunal de Contas ou de intervenção do Ministério Público, uma vez que envolve recursos públicos, eventual erro sobre o objeto do contrato e prejuízo efetivo para a autarquia. A diferença de 34.800 m² representa um valor potencial pago indevidamente na ordem das dezenas de milhares de euros, a somar aos 74 mil euros gastos na reformulação do projeto.