A Rádio Caria teve acesso exclusivo a uma denúncia anónima remetida à TIAC – Transparência e Integridade, Associação Cívica, que levanta sérias suspeitas sobre a legalidade e transparência de dezenas de contratos por ajuste direto celebrados pelo Município de Belmonte entre os anos de 2014 e 2025, no valor total de 355.550 euros, com as empresas Make Progress – Consulting, Lda e Multicovi – Consultadoria, Contabilidade e Condomínios, Lda.
O documento denuncia o envolvimento direto do cidadão João C. Carrola dos Santos, identificado nos registos do Ministério da Justiça como sócio-gerente de ambas as empresas, que terá acesso privilegiado aos serviços e documentos internos da Câmara, incluindo posto de trabalho, computador e secretária na Divisão Administrativa e Financeira, apesar de não integrar oficialmente o quadro de funcionários.
Segundo a denúncia, os documentos produzidos por João Carrola dentro da autarquia, com base em informação interna, foram depois formalmente adjudicados por ajuste direto às suas próprias empresas, sem qualquer consulta pública ou concorrência, prática reiterada ao longo de mais de uma década.
Relação direta entre o Município e empresas de sócio com acesso à estrutura interna
De acordo com os contratos públicos disponíveis no portal BASE, o Município de Belmonte adjudicou à empresa Make Progress – Consulting, Lda , entre 2014 e 2025, dez contratos distintos, com valores entre os 10.000 e os 74.500 euros, todos com o mesmo objeto: consultadoria para apoio ao empreendedorismo, dinamização económica e operacionalização de planos estratégicos. Os prazos de execução variam entre os 60 e os 731 dias.
Em paralelo, a empresa Multicovi – Consultadoria, Contabilidade e Condomínios, Lda, da qual João Carrola é igualmente sócio, foi beneficiária de dois contratos, em 2015, no valor total de 35.100 euros, com objetos semelhantes.
Todos os contratos foram celebrados ao abrigo do artigo 20.º do Código dos Contratos Públicos, por ajuste direto, sem concurso nem consulta a outras entidades.
Contratos adjudicados à Make Progress – Consulting, Lda
- 30/01/2014 – 10.000 € – Serviços de investigação e desenvolvimento – 60 dias
- 06/03/2017 – 25.800 € – Consultadoria em gestão – 180 dias
- 06/02/2018 – 51.600 € – Consultadoria geral de gestão – 365 dias
- 13/02/2019 – 19.500 € – Consultadoria comercial e de gestão – 135 dias
- 13/08/2019 – 19.500 € – Idêntico objeto – 135 dias
- 09/02/2021 – 51.600 € – Consultadoria em gestão – 365 dias
- 09/02/2022 – 19.500 € – Consultadoria – 135 dias
- 28/06/2022 – 19.950 € – Consultadoria – 135 dias
- 02/02/2023 – 74.500 € – Consultadoria – 731 dias
- 12/02/2025 – 33.000 € – Consultadoria empresarial – 334 dias
Total adjudicado à Make Progress: 354.950 €
Contratos adjudicados à Multicovi – Consultadoria, Contabilidade e Condomínios, Lda
- 04/02/2015 – 9.300 € – Serviços de gestão – 120 dias
- 16/12/2015 – 25.800 € – Desenvolvimento empresarial – 180 dias
Total adjudicado à Multicovi: 35.100 €
(Informação Base Gov)
Apresentado como “assessor” do presidente da Câmara
Em reunião do executivo camarário, aquando da discussão sobre as tarifas municipais de água, saneamento e resíduos, o próprio presidente da autarquia, António Pinto Dias Rocha, confirmou que o estudo apresentado foi elaborado por João Carrola, a título de “assessor”, e que o mesmo não teve custos para a autarquia.
No entanto, conforme revelam os contratos analisados, trabalhos com o mesmo tipo de objeto foram posteriormente formalizados em adjudicações com valores elevados à empresa Make Progress.
Dúvidas sobre imparcialidade e conflito de interesses
A denúncia enviada à TIAC coloca diversas questões sobre legalidade e ética administrativa, perguntando explicitamente:
- Se é admissível que um sócio de empresas fornecedoras tenha acesso interno à estrutura da autarquia, utilizando documentação municipal para produzir estudos;
- Se a ausência de concurso público em todos os contratos celebrados com essas empresas configura violação dos princípios da transparência e da concorrência;
- Se a situação poderá configurar tráfico de influências ou impedimento contratual nos termos do Código dos Contratos Públicos.
Ausência de escrutínio e silêncio institucional
Até ao momento, o Município de Belmonte não se pronunciou publicamente sobre os contratos celebrados, nem sobre a situação de João Carlos Carrola nas estruturas internas da autarquia. Não constam também registos de auditorias ou comunicações formais ao Tribunal de Contas ou ao Ministério Público.
A denúncia, entregue à TIAC e agora revelada pela Rádio Caria, apela à intervenção de entidades fiscalizadoras e propõe a clarificação da legalidade das práticas adotadas, num caso que poderá, segundo o denunciante, “pôr em causa os princípios fundamentais da governação democrática local”.